A comida, para mim, é muito mais do que um elemento de sustância física. Ela tem um poder de me confortar espiritual e emocionalmente também. Quando alguma coisa acontece comigo, para mal ou para bem, eu entro na cozinha e me transformo na alquímica que escondo sob a face de historiadora: faço o que é ruim se transformar em bom e compartilho com aqueles que amo; ou então multiplico o bom em mil vezes e mais uma vez consigo distribuí-lo pelo meu mundo – e é assim que ela me conforta emocionalmente.
Ao preparar o famoso bacalhau do vovô Ramon – meu amado padrinho que há muito já passou para o acampamento do outro lado-, ou os suspiros da vovó Marieta e os pirulitos de caramelo do vovô Mário (que ele não fazia, comprava, mas esse doce é ligado a ele no meu cérebro, e nenhum é mais gostoso do que aqueles que ele tirava do congelador e me entregava, meu simpático bisavô), ou até mesmo alguma comida que um antepassado que eu não cheguei a conhecer fazia, eu imediatamente sou ligada a eles. Uma parte dentro de mim é ligada, como se eu apertasse um botão: durante o preparo e a degustação daquela refeição simples e saborosa, eu estou consciente de que todos os meus antepassados estão vivos, independentemente de onde seus espíritos estejam, pois EU estou viva, e EU sou uma combinação de gens que eles todos passaram a mim. Espiritualmente, a comida funciona para mim, e não só dessa forma, não só para me conectar com os meus antepassados.
Ela é uma forma de me ligar com meus ancestrais espirituais também. Aqueles povos cuja cultura está em minha alma, não no meu corpo físico. O arroz doce de Buddha me concede paz e propicia meditação, o molho al sugo italiano desperta em mim uma alegria interior muito grande – e é provavelmente a coisa que eu mais gosto de preparar-, enquanto a carne de porco alemã me dá uma força e uma vontade de continuar comparável somente àquela dos guerreiros em sua última batalha, com a iminente volta para casa em seus pensamentos.
Quando eu me sinto sem energia, o Povo Vermelho vem em meu auxílio. Subitamente o milho vira elemento central de minha cozinha, pois ele é a base fortificante de um dos povos mais sábios que já caminhou por esse mundo, os indígenas americanos. E para conforto mesmo, aquele conforto necessário quando se atingiu o fundo do poço, e a esperança e perspectiva da subida iluminam os olhos quase cegos pela escuridão, em minha cabeça surgem duas palavras: soul food. A comida do Sul dos Estados Unidos, a comida dos Negros Americanos. Duas culturas de um mesmo país, duas culturas que ressoam em mim, que despertam memórias e sensações, e que, combinadas, são mais do que o suficiente para restaurar meu humor.
Nessa sintonia, o jantar que meu corpo e meu espírito pediram juntos foi: frango frito à moda soul food, pão de milho americano (bem diferente do brasileiro) e purê de batatas. Ao final, com um sorriso no rosto, minha alma e meu corpo estavam alimentados e satisfeitos.
Compartilho com vocês a simples receita do frango frito, que é minha versão inspirada na soul food. Eu usei o que tinha em casa: frango à passarinho da Sadia. O procedimento é o seguinte: cozinhe os pedaços de frango no leite, sem deixá-los macios demais ou fazê-los soltar dos ossos. Escorra e passe-os em uma mistura de ovo, sal e pimenta do reino, para em seguida passá-los por uma mistura de farinha de trigo e páprica picante. Frite-os em óleo bem quente até que estejam bem dourados. Salpique mais páprica por cima e sirva quentes.
Amiga, adorei o seu texto e concordo com vc em tudo! A comida produz em mim o mesmo efeito! ^^
ResponderExcluirSempre que meu organismo fica abalado emocionalmente, isso se reflete na alimentação. E é por ela que eu me recomponho e volto ao "normal" tbm ^^
E quanto à receita, adoreei! Não conhecia cozinhar o frango no leite, mas imagino que deva ficar uma delícia!
Preciso provar isso, hein?! hehe.
Beijos!
Vi a parada do frango com leite no programa da Nigella uma vez! ;)
ResponderExcluiradorei o blog, Stéph!
beijos!